De bicicleta ou de Google Earth, dar voltas em Portugal constitui um modo de (re)conhecimento perfeito para preencher curiosidades ou estranhamentos acerca da exótica geografia da terra dos portugueses. Dizem-nos e demonstram-no de maneira variada que tal terra existe mesmo, que tem um certificado de nascimento, um corpo, uma alma, uma identidade. Não tem nem tem de ter. Muito se insistiu no Portugal dos marinheiros, dos fados ou da bola no jardim à beira mar plantado - um território, o nevoeiro dos antepassados, os mitos, o império, a língua, a saudade e a ruína, aquele que os deuses amam e visitam, o bom povo cosmopolita ou burro de trabalho repartido pelo mundo. Pode ser tudo isso e muito mais e mudar no dia a seguir ou perder-se no caminho; pode dar um execrável programa na televisão, um elaboradíssimo ensaio, um solene discurso patriótico ou uma frenética crepitação nas redes socias.
Se existe, pode-se-lhe tirar o retrato, variar a pose e os humores do seu território, a sua casa comum. É um caleidoscópio dos cumes do Pico ou da Estrela até aos lodos da ria que é formosa. Não há como congelar tudo numa imagem e as palavras estão cheias de ecos. Não há um fio condutor, um roteiro. Vai-se pela terra fora. Convocam-se palavras de muitas vozes e tempos. Alguma lhe servirá melhor que outras.
Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo. Para além das suas funções docentes na Universidade do Porto e noutras universidades publica com regularidade sobre temáticas relacionadas com a geografia urbana, o urbanismo e a paisagem.