“Quando era pequeno, na aldeia onde cresci, brincávamos com uma arma inofensiva a que chamávamos alcabuz – forma histórica de arcabuz. Éramos nós próprios, os miúdos, que a fabricávamos. De um ramo de sabugueiro – árvore que produz a baga, um fruto que serve para dar mais cor aos vinhos tintos – fazíamos o cano da “espingarda”, pois é fácil retirar a grossa coluna do miolo do tronco. Com um pau de loureiro, madeira dura, construíamos um pistão que entrava no cilindro oco de sabugueiro como o êmbolo de uma seringa. Estava pronto o “canhão” de brincar. As balas eram buchas de papel molhado e comprimido empurradas para dentro do “cano” de sabugueiro. O empurrão do “êmbolo” com força e rapidez disparava a “bala”. Assim brincávamos às guerras, assaltos e caçadas. Os passarinhos assustavam-se, mas não ficavam feridos nem morriam – como com as pedras das fisgas. E acabavam nossos amigos, não fugiam. Quando descobrimos que as balas de papel podiam transportar alimentos, a alegria dos pássaros – e a nossa – expandiu-se. Era vê-los a desfazerem as balas à procura do painço!... Vamos dar alcabuzes às forças armadas e aos caçadores! Que tal, não acham boa ideia?” Coimbra de Matos, in “Prefácio”
Maria do Rosário Dias