"Tal como fado, uma boa parte da fotografia portuguesa veste-se de luto. Carlos Fernandes não é um fotógrafo nocturno, mas gosta de deixar no papel o véu escuro da prata metálica. Soube ver muito, aprendeu com os mestres portugueses e estrangeiros e conseguiu construir uma fotografia bastante pessoal. Que contraste entre as suas imagens do Técnico, escuras e minimalistas, e as arejadas vistas de Horácio Novais (1910-1988) nos anos 1930 – os anos da construção – quando a pureza branca dos edifícios e escadarias rivalizava com a das nuvens. Fernandes vai à procura do pormenor significativo, concentra-se nele e aureola-o na câmara escura. Em geral o foco assenta naquilo que os outros rejeitaram.
Há coisas que não vemos ou preferimos esquecer. O papel amarrotado deitado ao chão, o sarrafo perdido, a tabuleta obsoleta, a fissura na parede encardida, o caixote abandonado, à espera de melhor uso. São os detritos da civilização. Diz-me o lixo que produzes e saberei como vives. É com esta matéria-prima que Carlos Fernandes constrói uma poética do banal que é uma das conquistas da democracia. (São só os regimes totalitários que gostam das coisas limpas e arrumadas.) Aqui, graças à perspectiva, até os quadrados e rectângulos são transformados em paralelogramas obliquângulos, como uma moldura ou cadeira desengonçada. No meio do desgaste, um qualquer papel branco fere a imagem com uma ponta de esperança. São as flores da lixeira, tal como um saco de plástico enfunado pelo vento é a pomba da paz possível. “Punctum” – lhe chamou Roland Barthes (1915-1980). O resto é “studium” – estúdio e estudo.
Olhem para estas imagens e vejam como elas se articulam como os versos dum poema que apetece cantar. Imediatamente reconhecíveis, só a primeira e a última – o alfa e o ómega da escola. Pelo meio, descubram as aliterações e as rimas alusivas; os temas que se repetem ou complementam, adjectivados por brilhos surpreendentes; as esquadrias que há muito deixaram de ser a marca do engenheiro. Eis um IST que só a fotografia, na sua modéstia eloquente, pode revelar. A letra pode ser triste, como tristes são os poemas dos fados mais amados. Não há gente – nem mestres, nem funcionários nem alunos. Apenas sinais e signos de vida e morte. Só. O resto adivinha-se e faz vibrar a imaginação.
Comemoram-se em 2006 os 95 anos do Instituto, os 75 anos da Universidade Técnica - às vezes os filhos aparecem antes dos pais e as causas sucedem-se aos efeitos, como acontece na mecânica quântica - e, já agora, os 15 anos de associação do artista com a escola onde se licenciou em engenharia electrotécnica e de computadores, fez o mestrado e é, agora, estudante de doutoramento. Daí a sigla - fragmentada como o conteúdo de cada imagem - que empresta o título ao projecto. A escola, que é um colectivo, abre-se às aspirações individuais do artista. Que todos prosperem, assim como a Colecção Reticências que este volume auspiciosamente inaugura."
Jorge Calado
in I-S-T 95-75-15
Carlos Miguel Fernandes nasceu em Luanda em 1973 e vive em Lisboa desde 1975. Estudou fotografia no Ar.Co, Escola de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa (1994-96). É licenciado (1998) e mestre (2002) em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, pelo Instituto Superior Técnico, e frequenta actualmente o programa de doutoramento na mesma área e instituição. Foi docente do Instituto Politécnico de Setúbal entre 2001 e 2005.
Tem participado em várias exposições, das quais se destacam as colectivas Engenhos e Visões (Instituto Cervantes, Lisboa, 2001) e Premiados da VI Bienal de Fotografia da Moita (Biblioteca Municipal Bento de Jesus Caraça, Moita, 2004), e as individuais Kaluptein (Espaço à P’Arte, Lisboa, 2001) e Mittel/Europa (Ministério das Finanças, Lisboa, 2006).