Tempos houve em que o sistema nervoso era considerado um compartimento à parte, sequestrado do resto do organismo por peculiaridades da sua estrutura e actividade. Não existe porém em todo o corpo do ser humano um único órgão que funcione isolado. Geram-se no sistema nervoso os estímulos que vão modular as emoções e os comportamentos. Por sua vez, este compartimento recebe constantemente influências múltiplas do meio ambiente, do resto do organismo, dos sentimentos e das emoções. Nenhuma outra espécie animal se interessa por arte, filosofia ou religião, nem qualquer computador é ainda hoje capaz de igualar a complexa e versátil actividade do sistema nervoso humano. Há várias décadas que se reconhece o cérebro como a sede da mente e a origem dos sentimentos mais profundos. Até já é hoje possível manipular quimicamente os seus mecanismos moleculares para o humor e o comportamento. No entanto, só há bem menos tempo se aceita que factores emocionais possam ter a capacidade de modular a função nervosa e, por seu intermédio, influenciar outros órgãos. A complexidade do ser humano é afinal o somatório de mente e corpo e o seu sistema nervoso integra-se e participa nessa união indissolúvel. A diversidade das abordagens que o vasto campo da neurociência possibilita, está a originar certas dificuldades de diálogo entre os diferentes intervenientes nessa ciência fascinante e em frenético desenvolvimento. Numa época em que é cada vez mais evidente a necessidade de integrar os conhecimentos e compatibilizar linguagens, esta obra pretende transmitir ao leitor não especializado os fundamentos da arquitectura funcional do sistema nervoso e salientar as suas múltiplas interacções com outros compartimentos do organismo, como o endócrino e o imunológico, bem como com a vida emocional e o comportamento em geral.
Luís Bigotte de Almeida
médico neurologista e neuropatologista, doutorado pelas universidades de Uppsala, na Suécia, e Clássica de Lisboa. É diretor do Serviço de Neurologia do Hospital Garcia de Orta e professor da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI. Foi médico militar em Angola e investigador post-doc em Uppsala e Londres. Ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Neuropatologia, é membro da direção do Colégio de Neurologia da Ordem dos Médicos, das comissões científica e de ética da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN) e delegado desta sociedade na Federação Europeia das Sociedades de Neurologia. Publicou dois livros de divulgação científica e diversos artigos de investigação em revistas médicas internacionais. Foram-lhe atribuídos os prémios Sandoz de Neurologia da SPN e Vasconcellos Marques da Sociedade Luso-Espanhola de Neurocirurgia. Dirige a revista científica "Colóquios Garcia de Orta" e integra o Comité Assessor da "Revista de Neurologia", Espanha.