Não existe infância sem medos, angústias, aflições e riscos. Todos nós, durante a nossa infância, amedrontámo-nos, angustiámo-nos e afligimo-nos na proporção da funcionalidade, ou disfuncionalidade, das nossas famílias. A família é como se fosse uma enorme almofada sobre a qual, durante a nossa infância, nos divertimos a pular e a dar cambalhotas. Quanto mais cheia e elástica, mais funcional ela é para as mil e uma acrobacias do crescimento. Quando a almofada está pouco cheia, ou ressequida com o tempo, o corpo ressente-se da dureza do solo que subjaz debaixo da almofada. São estes pedaços da infância de acrobatas saltitões, ainda hoje vivos em nós sob a forma de traço mnésico, que nos permitem estabelecer identificações com as crianças que vamos encontrando. Muitas crianças não tiveram a sorte de encontrar almofadas suficientemente cheias e elásticas, e por isso muitas vezes trazem histórias de sucessivas quedas em seco, com o sabor áspero do vazio do chão. Algumas aprenderam que é demasiado perigoso saltar e decidiram ficar muito quietas, quietas demais, deprimindo-se. Outras, pelo contrário, desenvolveram a fantasia que se saltarem muito, muito alto, pode ser que venham a aterrar numa outra almofada, mais fofa, num outro continente onde a queda se torne macia. Estas crianças aprenderam a ser excessivamente saltitonas ou, se quisermos, excessivamente irrequietas. É dentro desta lógica de saltos e cambalhotas que este projecto editorial se inscreve. Este livro é uma primeira tentativa, por isso mesmo arriscada, de partilharmos com os leitores interessados na área do acolhimento de crianças, uma parte dos privilegiados encontros teórico-práticos que fomos tendo com uma série de colegas e amigos nos últimos anos.
Tiago de Sousa Mendes
Licenciado em Psicologia Clínica pelo ISPA e Ph.D. pelo Centro de Estudos Psicanalíticos da Universidade de Essex. Trabalhou em Inglaterra com crianças e jovens com dificuldades emocionais e do comportamento. Consultor de diversas instituições de acolhimento de crianças e jovens em perigo. Vive presentemente em Houston, onde desenvolve investigação na área dos adolescentes com perturbações emocionais e do comportamento.
Pedro Vaz Santos
Licenciado e Mestre em Psicologia Clínica pelo ISPA. Nos últimos 12 anos que trabalhado no âmbito do sistema de proteção, tendo assumido diferentes papeis quer em instituições de acolhimento, quer nas diferentes estruturas que compõe o sistema de proteção.
Atualmente exerce funções de consultor em diversas instituições de acolhimento e é responsável pela consulta de adoção no PIN — Progresso Infantil.