Em 1985, na Vila de Sintra, de um lado da rua trabalhava uma equipa de psiquiatria do Hospital Miguel Bombarda, que prestava cuidados à mesma população para quem, do outro lado da rua, no Centro de Saúde, uma equipa de médicos recém colocados tentavaorganizar os Cuidados de Saúde Primários. À saúde pública cabia advogar uma acção de prevenção da doença e promoção da saúde abrangendo toda a comunidade local, aosmédicos de clínica geral cabia cuidar a pessoa no seu contexto de vida, e a todos se impunha o problema de que sem saúde mental não há saúde.
No fim do Verão, João Sennfelt, (o responsável pela equipa de psiquiatria), atravessou a rua para dizer a estes médicos: “Vocês mandam tantos doentes para a nossa consulta quenão temos capacidade de resposta! Mas pelas vossas cartas percebo que vos possoajudar a tomar conta de vários casos”.
Desde então e ao longo de um quarto de século, uma prática de Saúde Mental Integradanos Cuidados de Saúde Primários cuidou a promoção do desenvolvimento do ser humanoque se debate com a gestão da vida individualmente e no colectivo.
A terceira face da lua é uma metáfora que configura um espaço de continuidade entre o claro e o escuro. A filosofia dos Cuidados de Saúde Primários recusa um pensamentodicotómico e apela ao reconhecimento de um contínuo na saúde:
O conteúdo de gradientes de sofrimento vividos entre a saúde e a doençadeclarada;
A contínua cadeia dos múltiplos factores, positivos ou negativos, que concorrempara uma dada situação de saúde;
A contínua linha acidentada que desenha o perfil de saúde de uma pessoa aolongo da vida;
O contínuo de comunicação entre os cuidados de saúde primários e os cuidadossecundários;
O contínuo que liga os cuidados clínicos a cada indivíduo e a acção colectiva de saúde pública.
Maria Francisca Albuquerque Rebelo e Maria Josefina Marau Gonçalves